Faz tempo que não publico uma resenha no blog. Então, para começar o ano com o pé direito – quantas pessoas já falaram isso por aí? :P – vou falar sobre a minha segunda leitura do ano, que começou no meio do mês de dezembro e se arrastou até agora. Trata-se do já clássico “O Nome da Rosa”, do escritor italiano Umberto Eco.

Já no prefácio do livro (21ª edição da Nova Fronteira) damos de cara com a história de como o livro foi concebido, através de um manuscrito encontrado por Eco em uma de suas muitas viagens pelo mundo. E já dali conseguimos perceber como Umberto Eco escreve: de forma um tanto arrastada e erudita. Talvez espante os leitores mais casuais logo ali – me espantou da primeira vez que tentei ler o livro, há uns anos atrás – mas, ultrapassando-o, finalmente chegamos à história em si.

O livro conta a história de Adso de Melk, um abade que, já na sua velhice, escreve sobre os sete dias em que viveu trancado em um mosteiro, na Itália do século XIV. Durante esses dias, uma série de assassinatos leva Adso e seu mentor, Guilherme, a investigarem os acontecimentos, entre corredores escuros e a majestosa biblioteca, cheia de livros indecifráveis e grandiosos.

O enredo policial é extremamente bem feito e amarrado: a história é dividido em sete dias, e estes dias divididos entre os diferentes horários estabelecidos por nomes próprios (matinas, laudes, primeira, terceira, sexta, nona, véspera e completa). A história é instigante, mesclando romance policial moderno com um texto erudito.

E o texto é o ponto forte do livro: é escrito de forma a parecer com um escrito do século XIV, e consegue exercer a sua função. Viajamos entre imagens barrocas de demônios, deuses, seres fantásticos, imagens perturbadoras e sonhos intrigantes, ao mesmo tempo em que conseguimos nos ambientar nos momentos em que o protagonista descreve minuciosamente um cenário ou situação macabra. Mas, ao contrário do que se pode pensar, não é algo fácil de ler: durante muitos momentos, tive vontade de fechar o livro e rearranjar os pensamentos. É preciso tomar cuidado extremo para não acabar lendo o livro sem prestar atenção nas palavras, lendo no piloto automático.

Se pudesse destacar um ponto negativo (ao menos na minha edição) destacaria as dezenas de citações em latim, francês, espanhol, castelhano e tantas outras línguas que recheiam o livro e não são traduzidas, sequer nas notas de rodapé. Dá uma raiva imensa ter que pular partes tão grandes, músicas e poemas, mesmo que estes não façam muita diferença no produto final da leitura ou não tenham que ser traduzidas para manter um ar de mistério. Acredito que, se os trechos estão ali, é porque, de uma forma ou de outra, fazem parte da história. Não sei se todas as edições do livro são assim – acredito que não – mas acho um grande desrespeito o de não traduzir. Afinal, ninguém é obrigado a ser fluente em latim.

O livro, quando não aborda a sua trama em si, divaga sobre diferentes aspectos do papel da Igreja durante o século XIV, tudo sobre o ponto de vista dos monges. É incrível e espantoso ver o entendimento que Umberto Eco tem sobre todos esses assuntos: é nítida a imensa pesquisa que foi necessária, talvez de anos, para que cada um daqueles monólogos fosse feito. Alguns pecam pela prolixidade, outros acertam pela singularidade. Eu me perguntava, certas vezes, se Eco não teria vivido naquela época, visto todas aquelas coisas e escrito para nós, tamanhos são os detalhes incrustados no texto.

“Somente o bibliotecário, além de saber, tem o direito de mover-se no labirinto dos livros, somente ele sabe onde encontrá-los e onde guardá-los, somente ele é responsável pela sua conservação (...) somente o bibliotecário sabe da colocação do volume, do grau de sua inacessibilidade, que tipo de segredos, de verdades ou de mentiras o volume encerra. Somente ele decide como, e se deve fornecê-los ao monge que o está requerendo (...). Porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais por uma alma piedosa, e os monges, por fim, estão no scriptorium para levar a cabo uma obra precisa, para a qual devem ler alguns e não outros volumes, e não para seguir qualquer insensata curiosidade que porventura os colha, quer por fraqueza da mente, quer por soberba, quer por sugestão diabólica.”

– “O Nome da Rosa”, Umberto Eco (fragmento)

O livro é erudito, misterioso, instigante, certas vezes cansativo, na maioria simplesmente fantástico. Uma leitura difícil – ainda mais durante as madrugadas, quando a atenção não está lá 100% – mas gratificante. Tenho certeza de que, mesmo que o livro cause algum sofrimento à mente em algumas partes mais entediantes, será simplesmente inesquecível em outras (os sonhos de Adso, os assassinatos macabros, os discursos inflamados e o final vívido e interessantíssimo). Enfim, altamente recomendado para todos aqueles insistentes!