“O tempo é um brutamontes, não é?”

Talvez essa simples frase, dita por um dos personagens do livro “A Visit From the Goon Squad”, da autora norte-americana Jennifer Egan, consiga resumir toda a aura que gira em torno dos personagens das 352 páginas do romance. Vencedor do prêmio Pullitzer de 2011, o livro apresenta a vida de um grupo ao longo de quase cinquenta anos, sempre de forma não-linear e com pontos de vista diferentes. Entremeado por música, tristeza e reflexões sobre o tempo e a velocidade com que as coisas estão acontecendo ultimamente, o livro merece todos os louros que recebeu da crítica especializada.

Temos um panorama diverso de personagens: o primeiro capítulo nos apresenta Sasha, a assistente de um produtor musical que está tratando seu problema de cleptomania; no segundo capítulo, o personagem principal é Bennie Salazar, o dito produtor, que utiliza pó de ouro como alternativa para tratar suas dores de cabeça crônicas e lembra do passado, quando tinha uma banda e fazia música com amor e não com olhos de cobiça; no terceiro, voltamos ao tempo e vemos, pelo ponto de vista de Rhea, uma menina que era amiga dessa banda, como eles se relacionavam. E daí por diante. O romance vai e volta no tempo constantemente, e os personagens se confundem entre protagonistas e coadjuvantes.

Aqui cabe um pequeno parêntese para a definição do termo “romance”: o livro é dividido em capítulos que, se lidos de forma isolada, possuem um significado próprio, como se fossem contos. No entanto, quando lido de forma completa, o livro se justifica como um romance e as histórias que tiveram início em um capítulo concluem-se, quase sem querer, em capítulos posteriores. A primeira comparação que me veio à cabeça foi o romance nacional “Neon Azul” (já resenhado no blog), do escritor carioca Eric Novello, que também opta por essa estrutura narrativa. O livro também me lembrou do poema “Quadrilha”, do Carlos Drummond de Andrade:

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Existem dois cernes ao longo do livro: a distância e a música. As idas e vindas dos personagens, a forma como encaram a tecnologia e a possibilidade que ela traz de reunir novamente antigos companheiros (uma pesquisa no Google ou no Facebook podem trazer de volta a pessoa amada em menos de cinco minutos) é encarada como positiva e, ao mesmo tempo, ameaçadora. Os personagens parecem estar sempre querendo se reencontrar, mas falta coragem para que alguém dê o primeiro passo. Em alguns casos, quando se encontram (como quando o produtor musical Bennie recebe a visita de um velho amigo de banda, que não logrou êxito na vida), os resultados podem ser desastrosos, pois ninguém realmente acredita que o reencontro se dêapenas por saudade, mas sim por interesse.

Já a música se apresenta não apenas nas memórias dos personagens – que falam de Semisonic, David Bowie, Iggy Pop (a música ‘The Passenger’ foi uma das influências da autora no momento de escrever o romance) e outros ícones antigos e atuais do rock –, mas na própria estrutura do livro. O romance é dividido em duas partes, “A” e “B”, tal como um antigo disco de vinil, e Egan parece usar desse recurso da mesma forma que os vinis utilizavam. No lado A (primeira parte) estão os contos que não abusam da desconstrução, mas mantém uma linearidade narrativa bastante comportada. São histórias boas – na verdade, talvez sejam melhores que as histórias da parte B –, mas extremamente comportadas, quase ‘comerciais’, para usar o jargão musical. Já o lado B apresenta o lado mais experimentalista de Egan, onde ela joga a estrutura às favas e brinca um pouco com cada história. É no lado B que encontramos uma matéria de jornal que acaba se desenrolando em um thriller e uma apresentação de power point que discorre e compara as melhores músicas que fazem pausa de 2 a 3 segundos durante sua execução.

Talvez a segunda parte também seja o palco para as piores histórias do romance: tem um homem que procura sua sobrinha em Nápoles, um general megalomaníaco de alguma república da América Central que precisa melhorar sua imagem ante o público e um conto cheio de mensagens de texto pós-modernas e meio indecifráveis para quem arranha no inglês e não está acostumado com gírias e abreviações. Para mim, essas são as histórias mais fracas do romance, que não me animaram e, em alguns casos (como na história do general) só me fizeram ler porque eu tinha a sensação de que aquele pequeno cosmos iria acabar em vinte páginas.

Com mais acertos do que erros, Egan merece o destaque como uma das grandes autoras de 2011. Seu romance vai sair esse mês no Brasil pela editora Intrínseca (com o título de “A visita cruel do tempo” – que ainda não decidi se gostei ou não) e os direitos já foram comprados pela HBO para a produção de um seriado. Ou seja, você ainda ouvirá falar bastante dessas pequenas histórias. E vai adorá-las, tenho certeza.