Um ano após o caso Mellery, que
colocou o detetive Gurney de volta à ativa e o fez desvendar um crime cheio de
meandros matemáticos, nosso detetive aposentado preferido (ou não) volta para mais um caso aparentemente impossível de ser
resolvido. Mantendo a tradicionalidade do suspense acima de qualquer ação e do
desdobrar lento dos fatos, calcando-os mais em diálogos e menos em atos, John
Verdon nos traz sua sequência ao personagem Gurney no livro “Feche Bem os Olhos”
(Arqueiro, 432p.).
Vamos à sinopse: Gurney, de volta
a sua vida pacata no campo ao lado de sua esposa, não quer mais saber de
resolver mistérios (sim, esse é o mesmo painel no qual ele se encontra no
início do primeiro livro, coisa que achei um pouco repetitiva), mas após receber
a ligação do desbocado Hardwick, percebe que está à frente de mais um caso
instigante: uma jovem milionária assassinada no dia do seu casamento pelo
jardineiro da família tem a cabeça decepada e o jardineiro some,
provavelmente fugindo com a vizinha, sua amante (mais enredo de novela mexicana impossível, pensei com meus botões). Quatro meses após o crime, além do jardineiro não ter sido encontrado, algumas coisas não fazem sentido: não há
DNA do dito-cujo no local do crime e a trilha que ele teoricamente seguiu após
a fuga para abruptamente junto ao facão ensanguentado encontrado na floresta.
Cansada dos parcos avanços do Bureau de Investigação, a mãe da vítima resolve
contratar Gurney para uma investigação paralela, utilizando-se de quaisquer
esforços financeiros para descobrir os motivos que levaram o jardineiro a matar
sua filha.
Falar de sequências pode ser um
pouco chato para quem não leu o primeiro livro, mas aqui não há o perigo de
acabar soltando spoilers
indesejáveis. Os livros, apesar de terem algum diálogo entre si, funcionam de
forma independente, como a maioria dos policiais. É a mesma lógica das procedural series (House, CSI, Castle,
etc): pescamos algumas referências aqui e ali, mas quem não leu o primeiro caso
de Gurney pode embarcar sem medo de ser feliz nesse segundo. A pergunta é: vale
a pena?
Tenho algumas restrições tanto ao
primeiro livro quanto ao segundo. No primeiro, achei a justificativa final para
explicar o caso um pouco mirabolante demais; aqui, a princípio, pensei que
fosse me deparar com alguma história um pouco mais fincada na realidade e um
pouco menos mirabolante, mas, pra variar, me enganei. Para começo de história,
achei esse segundo caso infinitamente mais fraco que o primeiro. Não há camadas
de interpretações para o que acontece. Gurney é bastante burro e segue apenas
uma linha de pensamento – a de que o jardineiro é o assassino, sem sombra de
dúvidas – quando todo mundo sabe que não é isso. Se eu, que acompanho a ação do
ponto de vista de Gurney, sei que alguma coisa está errada, como ele não
enxerga? Havia momentos em que eu me irritava com a unilateralidade do
pensamento dele, que não levantava hipóteses diferentes com as quais pudesse
trabalhar.
Alguns temas bem indigestos são
tratados nesse romance, focando-se na violência sexual de crianças por crianças
mais velhas, incesto, estupro, psicopatia e ninfomania. Apesar de tentar
misturar uma pá de coisas polêmicas no mesmo lugar, Verdon não desenvolve
nenhuma delas muito bem: as ‘predadoras sexuais’ mostradas por ele não têm
profundidade e o próprio passado da vítima, que tem lá seus traumas bem
pesados, é escrito com tanta frieza que é difícil você sentir pena e/ou raiva
pela morte dela. É tudo muito asséptico na escrita de Verdon, racional demais, clean demais... falta a passionalidade na
exploração dos personagens, que têm como única exceção o detetive Hardwick
(desbocado, estourado, estressado e o alívio cômico com seus diálogos ácidos) e
Madeleine, esposa de Gurney.
E por falar em Madeleine... nunca
achei uma personagem tão chata quanto ela. Não sei se posso apontar as
inconsistências presentes nessa personagem como defeitos ou qualidades
narrativas. Ela é contra Gurney partir para investigações, mesmo sabendo que
essa é a paixão dele, mas é quem dá todas as luzes quando Gurney compartilha suas
descobertas e se encontra em um beco sem saída. Madeleine quer uma vida
de paz e tranquilidade, mas sempre fala que Gurney deve terminar a investigação
quando ele resolve que vai parar. Essa ambiguidade um pouco complexa foi o que
me fez odiá-la a ponto de querer que alguém torcesse o pescoço dela, mas, depois de um tempo, também foi o que me fez ficar fascinado
por ela. A personagem consegue ser a mais humana e profunda, e não há maior
prova disso do que eu ter a capacidade de sentir alguma coisa por ela, mesmo que
ódio. Quer dizer que ela foi bem construída ao longo do livro.
(Isso não quer dizer, no entanto, que eu não queira que ela morra
futuramente. Seria uma bela de uma consequência traumática para Gurney).
Quanto ao enredo, achei bastante
fraco. Dizem que, se você tem um bom início e um bom fim, é perdoável se o seu
meio não for bom; “Feche bem os olhos”, no entanto, se sustenta muito bem no
início e no meio, mas peca exatamente naquele ponto que nenhum romance policial
pode pecar: no final. O assassino está na cara para quem quiser ver, e o leitor
só não consegue explicar tudo o que aconteceu tim-tim-por-tim-tim porque a explicação é bem pouco convincente. Há
um monte de pontas soltas não explicadas no fim do livro e a revelação do
assassino é seguida de uma das cenas mais WTF que já vi na vida. Verdon
literalmente tira um personagem da orelha pra fazer o final funcionar, mas não
no estilo ‘Estudo em Vermelho’ do Doyle... é quase como se ele tivesse
empurrado o cara que faz a figuração no segundo plano da câmera e dito “vai lá,
filhão, tu tem que entrar pra resolver essa história”. Enfim, não foi um final
bom, não mesmo.
Dos pontos positivos, destaco a
prosa do Verdon, que escreve com ênfase em diálogos e faz do livro um baita pageturner. Também destaco o
desenvolvimento da trama, que segue por uma linha de raciocínio e de sucessão de
ações bastante interessante e crível. Outra coisa boa são os coadjuvantes
Hardwick e Madelaine.
Dos pontos negativos, cito o
zilhão de inconsistências (como a parte em que um cara quase leva um tiro no
jardim de casa uma semana depois que sua esposa multizilionária foi morta. Por
que não tinha ninguém vigiando o perímetro?), a página solta que a Arqueiro não
colou (eu quase perdi o final porque uma das folhas do livro caiu. Por sorte,
vi o que tinha acontecido e realoquei-a a seu lugar. Mais cuidado da próxima
vez, Arqueiro! ò.ó) e a revelação do assassino, que é a escolha óbvia e só o
Gurney não viu.
E é isso aí, não sei se leio mais
livros do Verdon. Dois livros, duas histórias fracas. Nhé.
gostei muito da descrição do livro
ResponderExcluirestou muito interessada a ler o livro,eu me amarro em mistério.
Estou na metade do livro, estou gostando.
ResponderExcluirLucas, assim como o seu, o meu livro também veio com problema, o primeiro bloco de páginas veio descolado da capa. Mandei um e-mail para a Arqueiro reclamando, mas, a editora não se deu ao trabalho de responder.