Sempre admirei muito o trabalho de Hitchcock.
Durante meus tempos de colégio e exploração pelo catálogo de filmes clássicos
na locadora (nem parece que faz só uns cinco anos quando a gente fala hoje em
dia de locadoras, esses itens raros e cada vez menos presentes em nosso
cotidiano, mas isso é papo para outro post), vibrei quando vi James Stewart com
uma perna engessada e meio paranoico com um vizinho que poderia ser um
psicopata; ou quando ele subia uma pequena escada e olhava para cima e para
baixo, para cima e para baixo, e então ficava com vertigem e quase caía. Mas
foi apenas com Psicose – que eu vi lá pelos meus treze ou catorze anos – que percebi
como o cinema pode ser atemporal. Era uma história vibrante que poderia
acontecer muito bem nos dias de hoje, dadas as pequeníssimas adaptações
históricas: mulher rouba dinheiro, foge, vai até hotel macabro e descobre que
filho e mãe possuem uma relação bastante conturbada. E depois desaparece.
Simples e direto. Ouso dizer que Psicose foi um de dois ou três filmes
responsáveis por me fazer gostar de cinema clássico – e por clássico quero
dizer antigo mesmo. Psicose foi responsável por tirar de mim a urgência hollywoodiana
de planos picotados e frames de 0,5 segundo em cenas de ação.
Então, quando vi que a Intrínseca traduziu um dos
principais livros sobre os bastidores da filmagem, datado de 1990 e publicado
por motivos da adaptação cinematográfica, fui correndo para comprá-lo. Li a
edição digital em menos de dois dias, tanto por ser um livro breve quanto por
ser extremamente bem escrito e interessante.
![]() |
Janet Leigh com medo de morrer |
Stephen Rebello é bastante feliz ao reconstruir os
anos 50 e 60 com assertividade, e de modelar a história de ‘Psicose’ desde
antes de Hitchcock ou do livro que deu origem ao filme. “Alfred Hitchcock e os
bastidores de Psicose” se inicia com a descrição de uma série de assassinatos
cometidos por Ed Gein nos anos 50, e a subsequente descoberta, por parte da
polícia, de um quarto repleto de móveis e roupas confeccionadas com pele humana
feminina; a teoria mais aceita é a de que Gein pretendia fazer uma ‘roupa
feminina’ para que emulasse ser sua mãe enquanto cometia os assassinatos.
Esse foi o ponto de partida para Robert Bloch,
romancista pulp, construir o romance ‘Psicose’: como o livro de Stephen Rebello
descreve, misturou-se crueldade, uma série de assassinatos e psicanálise barata
(Freud era a grande sensação da época) em um caldeirão e pronto, nascia um
romance. Romance esse que ficaria relegado ao esquecimento, dada a proporção de
romancistas policiais nos anos 40 e a proliferação de títulos obscuros, não
fosse as mãos ágeis de Hitchcock.
![]() |
Pôster do filme Psicose (com uma mulher só de sutiã, absurdo na época!) |
“Bastidores de Psicose” é dividido em três partes:
pré-produção, produção e pós-produção. Nele, somos apresentados a todo o
panorama hitchcockiano que, ironicamente, o próprio Hitchcock vivia: rico e
bem-sucedido, mas em crise, principalmente por seus últimos filmes (‘Intriga
Internacional’ e ‘Um Corpo que Cai’, hoje clássicos) não terem sido exatamente
sucessos de público e crítica à época. A Universal não acreditava que ele
pudesse apresentar um bom material e pouco crédito dava a ele. O diretor, ao
descobrir o romance de Bloch e perceber que aquele poderia ser um próximo
filme, começou sua odisseia para torná-lo real.
É muito interessante mergulhar em todo o processo de
produção do filme. Desde o juramento que Hitchcock obrigou todos os envolvidos
no filme a fazerem para que não revelassem nada sobre as gravações, passando
pela já clássica história de que o diretor comprou todos os exemplares do livro
de Bloch para que ninguém descobrisse o final e culminando na gigantesca
campanha de marketing e no sucesso absurdo e inexplicável que o filme fez – que
envolveu gritos e pessoas desmaiando nas salas de cinema durante as cenas
clássicas do chuveiro, do assassinato na escada e do cadáver sentado na cadeira
giratória. O livro é extremamente eficiente ao desdobrar todos esses
acontecimentos, tendo sempre em Hitchcock a figura central para todos os
acertos e percalços pelos quais a produção passou.
![]() |
Anthony Hopkins como Alfred Hitchcock |
Como já disse um pouco acima, o livro recebeu uma
adaptação pelas mãos do diretor Sacha Gervasi (é, também não o conheço, mas
catei no IMDB e ele dirigiu aquele “O Terminal”, filmezinho mais ou menos com o
Tom Hanks) e teve como protagonistas Anthony Hopkins (impecável, as allways)
como Alfred Hitchcock e Helen Mirren (também impecável) como Alma Hitchcock,
esposa do diretor. O filme, como qualquer adaptação, sofre com alguns cortes,
mas também é bastante divertido: desde a alusão ao programa televisivo de
Hitchcock logo no início e os tons irônica e excessivamente coloridos, meio
parecidos com os filmes do Almodóvar, passando pelas grandes atuações dos
protagonistas e – porque não – dos coadjuvantes também. Só achei um pouco
desnecessárias as cenas constantes sobre os assassinatos de Ed Gein, sempre
presentes no filme como interlúdios.
Para quem gosta de Hitchcock, acho uma leitura
indispensável; aos que não conhecem, sugiro que vejam o filme antes de se
embrenharem pela leitura do livro ou pelo filme de Gervasi. Assistir ‘Psicose’
pela primeira vez, sem ter ideia do que esperar ou do que o final reserva, é
uma experiência pela qual todos deveriam passar. Sem sombra de dúvidas, é uma
daquelas histórias que ficam na sua memória por muito tempo, com cenas icônicas
e personagens que, mesmo que apareçam brevemente, são eternos.
PS:. ‘Bates Motel’, série da A&E baseado no
filme de Hitchcock, está para sair. Dá uma conferida no trailer, parece que vai
ser bem interessante.
PS2: ‘Psicose’ tem três continuações e uma
refilmagem de 1998, e ‘Bates Motel’ possui um filme de 1987. Faça um favor a
você mesmo e não assista a nenhum desses derivados. É sério. Depois não diga
que eu não avisei. A vida é muito curta.
Até mais!
0 comentários:
Postar um comentário