“Qual foi a pior coisa que você já fez?

Não vou contar, mas lhe direi qual foi a pior coisa que já me aconteceu... a mais terrível...”

Com esse pequeno texto, Peter Straub inicia um de seus mais famosos livros, considerado por muitos como um dos melhores do gênero. "Os Mortos-Vivos" (lançado nos EUA em 1979 com o título Ghost Story) conta a história de um grupo de quatro idosos que, periodicamente, se reúne para beber e contar histórias de terror, vestidos em ternos de gala e sentados em confortáveis poltronas de uma biblioteca particular. Quando uma série de acontecimentos estranhos começa a percorrer a cidade de Milburn – com direito a animais degolados sem que haja sangue no chão e suicídios sem explicações racionais –, o grupo pede a ajuda do escritor Don Wanderley, filho de um dos integrantes da Sociedade Chowder.

O livro é eletrizante, e seu prólogo já deixa isso bem claro. O início mistura tudo o que o leitor mais exigente procura: é misterioso e instigante na medida certa, te deixando extremamente intrigado e curioso para saber o que acontecerá em seguida.

É difícil comentar sobre "Os Mortos-Vivos" (título nacional bastante pobre e incoerente com a história em si, vale ressaltar) sem soltar nenhum tipo de spoiler, portanto, deixarei a sinopse um pouco de lado para dar mais espaço às impressões que tive nos outros quesitos de leitura.

Em primeiro lugar, a escrita de Peter Straub flui extremamente bem, mas não é perfeita. Não que o livro seja mal-escrito, longe disso: acho apenas que ele não é daquele tipo de prende a atenção de leitores ocasionais e sonolentos. Precisei, durante muitas vezes, voltar em algumas partes para saber o que estava lendo, mas credito essa falha muito mais a mim do que ao texto por si só.

Acho que há, também, uma sucessão de descrições que poderiam ser sumariamente cortadas do livro, para torná-lo mais dinâmico, principalmente nas partes em que a ação predomina. Há cenas que são simplesmente perfeitas – como ver um fantasma pegando a cabeça de um personagem X e obrigando-o a assistir enquanto outro fantasma mata o personagem Y –, com uma carga de tensão e horror excelentes. Mas há outras em que você simplesmente quer acabar logo de uma vez por todas e se pergunta o que diabos aquelas descrições estão fazendo ali.

Quanto a outros quesitos, não tenho o que reclamar. Ainda consigo ver todos os personagens principais do livro – e alguns secundários que são absurdamente bem construídos –, mesmo depois de tê-lo terminado há quase uma semana. A construção vai evoluindo aos poucos e, na última parte - quando todo o mistério do livro é enfim revelado - já sabemos sobre todos os personagens e temos os nossos preferidos.

O livro não é cronológico. Seu texto é complexo, misturando memórias dos personagens em primeira pessoa – tendo como fonte principal os diários de Don Wanderley – com ações acontecidas no presente em terceira pessoa e as próprias histórias que a Sociedade Chowder conta. Isso, no entanto, não causa confusão: o texto é ligado de uma forma extremamente consciente e orgânica pelo escritor, que pareceu não ter esforço algum para criar um grupo tão coeso. Você realmente se sente em Milburn, enfrentando as nevascas que fecham as estradas e lidando com criaturas soturnas que te perseguem noite afora.

No fim, o que fica na memória é um livro assustadoramente agradável. Arrisque-se a lê-lo de madrugada, no silêncio sepulcral e só com uma lanterna em mãos. Eu te desafio.

Nota: O livro parou de ser editado no Brasil. Portanto, se você não tiver a mesma sorte que eu e encontrá-lo a preço de banana em um sebo, corra até uma biblioteca e tente achá-lo. Se nem assim você conseguir, tecle a alternativa B: procure pelo filme “Histórias de Fantasma”, lançado em 1981 e adaptado do livro de Peter Staub. O filme tem muitas diferenças do livro (muitas mesmo), mas pelo menos te dá um gostinho da história que, garanto, é imperdível.