Não sei se isso acontece com vocês, mas vez ou outra eu paro e me pergunto qual seria o meu escritor preferido. É uma cosia que nunca consigo responder. Os livros que leio são bons, alguns até mesmo geniais, mas nunca são daqueles que me marcam ou significam grande coisa para minha formação. Leio diversos autores, mas preferidos, somente um ou dois, daqueles que você precisa ler avidamente até o fim, segurando os livros como pedras preciosas para só largar depois que as últimas páginas terminam.

Com meu primeiro livro de John Steinbeck, posso dizer que acabo de adquirir mais um escritor preferido.

A situação em que comprei minha edição de “Leste do Éden” (ou, como consta na minha capa, “Vidas Amargas”, por conta do filme originado a partir do romance) foi bastante estranha. Estava eu no sebo, revirando livros e mais livros como sempre faço e gosto de fazer, a procura de alguma coisa interessante, mas sem achar nada que valesse a pena. Então pensei: ‘quer saber? Vou escolher o maior livro que tiver nessa estante, pelo preço mais barato’. Puxei o livro – um calhamaço de 600 e poucas páginas – e li o primeiro parágrafo. Um saco, logo pensei. No começo, John Steinbeck se preocupa em descrever minuciosamente toda a região das Salinas, onde o romance tomará lugar. Não desisti: avancei na leitura e, quando percebi, já estava acompanhando as desventuras das famílias Trask e Hamilton pelas paisagens áridas e empobrecidas da região.

John Steinbeck não nega suas raízes. O livro – considerado pelo próprio autor como seu melhor trabalho – possui um toque autobiográfico bastante evidente. Nascido e criado na região que descreve tão bem logo aos primeiros parágrafos, o autor consegue transpor para o papel tudo aquilo que, acredito, ele observava, sentia, cheirava. O narrador é um tipo de personagem onisciente, descendente da família dos Hamiltons, e me pergunto se o próprio Steinbeck não estaria contando um pouco de sua própria história.

O livro começa mostrando a chegada e a instalação de duas famílias bastante diferentes na região das Salinas, nos Estados Unidos. A primeira tem como patriarca Sam Hamilton, um homem bom, obcecado por invenções e patentes. Sam passa o dia inteiro inventando mecanismos para ajudar os homens da região, criando poços, dando de comer aos animais e procurando sempre atender a todos os habitantes da região da melhor forma possível, esquecendo-se de sua própria família e de si mesmo.

A segunda família tem como protagonistas os irmãos Adam e Charlie Trask. Em uma alusão clara a Caim e Abel – que se repetirá, mais a frente, com os filhos de Adam Trask – os irmãos disputam o amor e a atenção do pai, um veterano de guerra linha dura que acredita mais no poder de sua bengala do que no poder das palavras.

Há, ainda, uma terceira personagem fundamental para o desenvolvimento da história: Cathy Ames. Cathy (ou Kate, mais para frente) talvez seja uma das melhores personagens construídas ao longo de todo o romance. Ouso dizer que foi uma das vilãs que mais aprendi a admirar na literatura que já li. Fria, cruel e paciente, Kate é o tipo de vilã que deixaria Darth Vader parecer uma menininha indefesa de dez anos de idade. Dificilmente alguém conseguirá se manter impassível frente às atitudes da personagem – que, apesar das vilanias e da postura falsamente santa, possui uma das mentes mais cruéis e absurdamente loucas do mundo.

Um dos pontos mais interessantes do livro é a sua forma de construção. Ele não possui muitas descrições – excetuando-se, é claro, as longas e cansativas descrições de paisagens que vez ou outra pipocam no texto –, sobretudo acerca dos sentimentos dos personagens. E isso é fascinante. O narrador não precisa dizer alguma coisa do tipo ‘ele olhou para ela com um olhar raivoso’, pois os próprios diálogos conseguem passar essa mensagem. Diálogos sobre diálogos, o leitor consegue perceber a intenção do autor em colocar ali, naquelas poucas – e aparentemente vazias – frases, toda a carga emocional que caracterizará as cenas e os seus participantes.

Não há como definir uma sinopse para um tipo de livro como esse. É uma história majestosa e grandiosa, que cobre cerca de cinquenta anos (ou mais, estou chutando um período estimado) da história de duas famílias e a forma como elas se entrelaçam. Seus dramas, frustrações, desejos, anseios e alegrias. Uma aula para quem deseja escrever alguma coisa; horas e mais horas certas de distração, reflexão e literal viagem para o mundo de Steinbeck para aqueles que apenas desejam ler o livro no ônibus ou antes de dormir.

Uma coisa é certa: eu simplesmente me fascinei com a narrativa de Steinbeck.