Tenho para mim que o estilo romance histórico é o que demanda mais trabalho para um autor, não só na já tradicional pesquisa minuciosa para reproduzir o modo de vida de uma época remota e muito distante, mas também para tornar a história autônoma, fazer com que ela pulse vivacidade pelos personagens, suas ações e a atmosfera que os envolve. Do contrário, tudo se transforma em uma aula chata e maçante de História.

É nesse ponto que o autor sul-rio-grandense-carioca Max Mallmann consegue se destacar: é notável – e admirável – toda a pesquisa que envolve o conteúdo do livro ‘O Centésimo em Roma’ (editora Rocco, 424 págs). Sentimos o cheiro das vielas romanas e a textura das togas de seda tão desejadas pelos plebeus, assim como rimos e choramos das tragédias e desventuras pessoais de cada um dos personagens sem que a História (com H maiúsculo) seja a protagonista do romance, mas apenas sua assistente pessoal. Lendo a parte final do livro, na qual o autor descreve os modos e os métodos de que se utilizou para a pesquisa histórica de seu romance, não podemos duvidar da paciência, força de vontade e curiosidade de Max Mallmann.

Vamos ao romance: de volta de uma campanha na Germânia que lhe conferiu a alcunha de ‘Carniceiro de Bonna’ (rumores afirmam que ele chacinou toda uma cidade repleta de crianças, mulheres e idosos sem piedade ou remorso), o centurião Desiderius Dolens se vê em uma Roma decadente, poluída de governantes corruptos e moscas insistentes por voar em rostos alheios. Ambicioso, Dolens tem a pretensão de ascender socialmente para se tornar um cavaleiro da guarda real, mas suas dívidas e sua falta de contatos proíbe que ele consiga atingir seus objetivos. Ao invés disso, ele é designado para comandar uma das coortes urbanas (um tipo de guarda urbana), fatia mais baixa e decadente dos postos militares.

O assassinato de um senador leva Dolens a investigar um grupo de religiosos fanáticos que têm como figura princial um homem preso em uma cruz (a.k.a. cristãos), principais suspeitos pelo crime. E, durante essa investigação, Dolens vê desfilar a sua frente um grupo de personagens que podem ajudá-lo ou atrapalhá-lo em sua tão sonhada ascensão. O centurião não está interessado em resolver o mistério, mesmo com as insistentes investidas de Nepos, filho do senador assassinado e braço direito de Dolens.

Apesar da orelha do livro tratar o assassinato como tema principal do livro, a trama de ‘O Centésimo em Roma’ não se concentra na resolução do crime do senador. O romance prefere mostrar o cotidiano de Dolens e dos personagens que o envolve, bem como suas tramas políticas, suas decisões insanas e seus exageros homéricos (sim, eu me permiti esse trocadilho infame).

Os personagens são, de longe, a parte mais interessante da história: constroem-se aos poucos, apesar de serem muitos. Somos apresentados à escravos, imperadores, cachorros mancos, pigmeus e bois torturados com a mesma paixão e bom humor. Apesar de Dolens ser o personagem principal, não há como não ser cativado pelas ações da curandeira Eutrópia, da escrava Olívia ou do pobre coitado Nepos, sempre levado a limpar latrinas.

A dinâmica do livro também é interessante: mistura dois tipos de texto, sendo o primeiro o do romance tradicional, com diálogos sobre diálogos e descrições sobre o que acontece na hora em que a história é contada; e o segundo com um estilo mais formal e histórico, um tipo de biografia histórica e fictícia que conta a História de Desiderius Dolens sob a perspectiva de Nepos. A princípio, achei a narrativa um pouco maçante e demorada, mas foi questão de tempo até que me adaptasse a ela.

Outro fator que não poderia deixar de lado é o humor que a história traz impregnada em cada uma de suas páginas. Há momentos em que você deve se segurar para não soltar uma gargalhada - principalmente se estiver lendo o livro em transportes coletivos. Cenas como a de Dolens presenciando um ritual cristão ou mandando o pobre coitado do Nepos limpar latrinas (mais uma vez!) são simplesmente imperdíveis.

A miscelânia entre personagens e situações fictícias e reais é de fazer o queixo cair. Sou um conhecedor tão bom de Roma quanto sou de entropia, por isso fiquei realmente surpreso quando percebi que todos os quatro imperadores que desfilam por Roma durante o romance realmente existiram e que Max Mallmann tentou retratá-los da forma mais fiel que as fontes históricas os descreviam – um era mais louco que o outro, é impressionante. Essa mescla entre ficção e realidade e essa confusão de não ter certeza absoluta sobre o que é história e o que é História deixa as coisas ainda mais interessantes.

Enfim, creio que não preciso de mais recomendações positivas para que você corra atrás desse livro e o leia o quanto antes. O que está esperando, que Roma pegue fogo de novo? (Oh, não, mais trocadilhos imbecis?! Desculpe, eu juro que é o último).

Tenham uma excelente leitura e vivam um pouquinho do século I. Não tenho dúvidas de que será uma ótima experiência.