Houve um tempo em que correntes eram uma coisa normal na internet. Volta e meia, você abria a sua caixa de spam ou seu scrapbook no Orkut e lá estava a malfadada mensagem: amores eternos, amizades duradouras, salvação da alma, salvação da humanidade, fim do aquecimento global, maldições, ad infinitum. Era praticamente impossível não ser pego por uma dessas correntes que te obrigava a passar a mensagem para um número determinado de pessoas na esperança de que todos os seus desejos fossem realizados.
Valendo-se dessas mensagens um tanto quanto incômodas e subestimadas por quem as recebe, Estevão Ribeiro compõe o seu novo thriller, “A Corrente” (editora Draco, 184 págs). Na história, somos apresentados a Roberto, um hacker que, após receber (mais) uma corrente na sua caixa de spam, decide gastar o seu tempo livre escolhendo para quem repassá-la. O que ele sequer desconfia é que essa não é uma corrente normal. Nela, uma menina de dezesseis anos chamada Bruna diz que consequências muito graves aguardam Roberto e qualquer um que se negar a enviar a corrente para sete pessoas. Ele obviamente não leva a sério (quem levaria?), mas acha legal passar a corrente só para perturbar amigos, conhecidos, desafetos e até mesmo uma ex-namorada.
Logo, somos apresentados à vida de cada uma dessas sete pessoas para as quais Roberto passa a mensagem. Uma grande jogada do autor foi ter conseguido dar a profundidade necessária para cada um dos personagens que aparece na narrativa, mesmo que não gaste muito tempo com isso. Somos apresentados a um dançarino narcisista, uma blogueira descendente de orientais que se empolga com cada novo comentário em seu blog, um entusiasta em música que turbina o seu carro com o melhor equipamento de som da cidade, a atendente de uma locadora cheia de sonhos não realizados, enfim, toda uma gama de personagens e sensações que, mesmo sendo tão diferentes, conseguem ser encaixados sem perder a sua riqueza ou sua relevância necessária.
O objetivo do livro é divertir, e nisso ele cumpre muito bem o seu papel. Aos amantes de filmes gore cheios de tripas e vísceras voando câmera afora e sujando a lente com respingos de sangue, o livro é uma ótima pedida. Fraturas expostas, carbonizações e objetos perfurantes são apenas alguns dos apetrechos utilizados por Estevão para a composição de suas cenas de morte ao melhor estilo ‘Premonição’ (e sim, eu adoro esse filme – o primeiro).
Uma coisa, porém, não me agradou muito na narrativa: o seu estilo, narrado em terceira pessoa do presente, em alguns momentos me pareceu um pouco frio demais e não conseguiu me envolver, principalmente nas cenas em que Roberto é o centro das atenções. Parece mais uma descrição subsequente de fatos, sem explorar as sensações do personagem. No entanto, isso não prejudica o livro como um todo: essa frieza às vezes é positiva, dando um clima de solidão e aquela sensação de frio na espinha, principalmente nas cenas em que Bruna aparece e naquelas em que os personagens secundários encontram o seu destino trágico nas mãos dela. É aquele esquema de prejudicar certas partes para o benefício de outras.
Antes de fechar essa resenha, tenho que destacar um parágrafo especial para a construção da personagem Bruna. Alternadamente cálida e assustadora, o fantasma da menininha negra rodeada por pombos consegue o que dificilmente se vê por aí nos livros de terror: assustar. As cenas em que Estevão descreve a frieza nos olhos dela ou todo o ódio que a menina nutre dentro de si dão uma maior profundidade a ela. Para mim, Bruna é a melhor personagem do livro (e sim, eu tenho carinho e empatia por vilões, ainda mais após descobrir as suas motivações e objetivos).
“A Corrente” é isso: um romance que você lê rápido, se empolga com as cenas de morte e se intriga até descobrir o que raios todos os acontecimentos têm a ver com uma menina que mata qualquer um que se negue a perpetuar seu terror cibernético. Uma história que te prende até as últimas páginas e revelações, daquelas que você não vai conseguir largar pela metade. E então, o que você está esperando?
PS1) Você nunca olhará para sua caixa de spam com os mesmos olhos;
PS2) Você nunca olhará para os pombos na rua com os mesmos olhos;
PS3) Vai logo ler esse livro!
Até a próxima!
Ótima resenha, Lucas! Explicou bem a escolha do estilo narrativo. Eu penso que, livros de terror e suspense devem passar a sensação de o que está sendo lido está acontecendo naquele momento. Sacrifica-se certas partes para manter o clima.
ResponderExcluirObrigado pelo texto!
O livro está muito bom, Estevão, parabéns por tê-lo escrito! ^^
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