De tanto ler histórias de fantasia, tem horas que a gente sabe quando um livro não deve ser lá essas coisas. Seja porque não teve uma boa divulgação, seja porque ninguém ouviu falar muito dele ou seja pelo simples fato de ser um exemplar polpudo de uma editora de respeito e estar em promoção em um sebo, como se fosse uma última tentativa desesperada de gerar lucro para que o livro não fosse completamente incinerado por conta de desinteresse.

Foi assim que encontrei o livro “O Grito da Terra do Gelo” (editora Rocco, 502 p.), primeiro de uma trilogia do escritor inglês Stuart Hill: embalado no plástico, empoeirado pelo tempo e numa promoção de “três por dez” no sebo. A história me pareceu rasa e o texto da contracapa me fez pensar que haveria milhares e milhares de clichês no romance, mas como o que eu precisava mesmo era de um livro para me desligar do mundo por algumas horas, comprei-o assim mesmo.

O livro conta a história de Thirrin Freer Forte-no-Braço Escudo-de-Tília – e você provavelmente estará ofegante depois de pronunciar tantos nomes –, uma menina de treze/catorze anos que se vê subitamente mergulhada em uma guerra contra o cruel general Scipio Bellorum, comandante do império de Polipontus que deseja anexar o maior número possível de províncias reais ao seu império. Numa espécie de mistura esquizofrênica entre Alexandre, o Grande e Napoleão, o comandante passa sua vida movendo exércitos e expandindo seu território por nenhum outro motivo além de ter mais terras.

Com a ajuda de lobisomens, vampiros, bruxos e até mesmo leopardos falantes, Thirrin blábláblá irá enfrentar a ameaça de Scipio com sua personalidade forte e sua paixão pela terra que herdou de seu pai, o rei Redrought.

Ok, tenho que admitir que só comprei esse livro porque estava barato. Esse tipo de sinopse não me seduziria se eu estivesse na livraria e fosse desembolsar os 70 reais que ele deveria valer à época de seu lançamento. É uma história que tem tudo para ser rasa, com personagens que não fogem ao lugar-comum e reviravoltas que são mais do que previsíveis. E é exatamente assim que o livro transcorre.

A personagem de Thirrin é mal construída. No começo, quando tudo está bem e ela não passa de uma menina de treze/catorze anos, tudo é até convincente: é uma garota entre a fase infantil e adolescente, tentando descobrir o que acontece ao seu redor. Mas, ao passo que a guerra entra no contexto, tudo se torna muito forçado: de um momento para outro, Thirrin é a forte comandante do exército do reino, que consegue persuadir homens e criaturas fantásticas a se aliarem a ela em prol da luta contra um tirano imperialista. Não há essa transição de menina frágil / guerreira forte; ela simplesmente aceita o que lhe é oferecido sem medo, sem receios e sem questionamentos. E, obviamente, com muita personalidade e disposição para comandar sei lá quantos mil homens.

Algumas passagens do livro são ruins, outras chegam a beirar o nível da ridicularidade. Por exemplo, em um determinado momento, Thirrin segue com seu séquito até o castelo dos vampiros, em busca de uma aliança para aumentar o seu contingente contra Scipio Bellorum. É sabido que vampiros são criaturas ariscas e ardilosas, que tentam enganar qualquer um e tirar vantagem sem pensar duas vezes. Então Thirrin, sabendo desses fatos, e no auge dos seus treze anos – depois de páginas e mais páginas onde uma tensão realmente é criada para saber qual será a reação dos vampiros – chuta a porta do salão e fala ‘quem manda nessa porra agora sou eu’ (claro que não com essas palavras :P). E os vampiros aceitam. E assinam um acordo de aliança. E não se manifestam contra ela.

A única coisa que gostei – para não me chamarem de velho ranzinza que odiou completamente o livro – foi a relação de Thirrin com o bruxo Oskan. Ele é um tipo de ermitão que passou a viver em uma caverna depois que a mãe morreu, e só saiu de lá depois que um soldado é ferido em batalha e é tratado pelas habilidades herbolárias dele. Oskan tem a mesma idade de Thirrin, e funciona como um tipo de contraponto sábio para as decisões impulsivas da menina. Gostei dessa troca de inversões, dele ser o cérebro enquanto ela é os músculos, e não o contrário e habitual.

(Mas é claro que o autor estraga tudo com um deus ex machina completamente sem noção no fim do livro, em um ponto decisivo para Oskan. É óbvio).

A impressão final do livro é que ele é cansativo e mal-construído. Stuart Hill não conseguiu me cativar com esse romance nem com sua personagem, que em muitos momentos soa tão artificial quanto um personagem pobre em uma novela do Manoel Carlos. O livro é desnecessariamente longo e, pelo que soube assim que terminei de ler, é o primeiro volume de uma trilogia. Que eu, para todos os efeitos, não irei continuar a ler.