Um dos principais atributos de “Among Others” (Tor, 304p.) da escritora canadense-galesa Jo Walton, não é a tonelada de prêmios a que foi indicado e/ou ganhou (concorre atualmente ao Hugo e ganhou o Nebula, apenas para citar os principais dentro da FC/F internacional). Apesar de esse ter sido o principal motivo a me impulsionar para correr atrás do romance, aquilo que faz dele uma história tão deliciosa e ao mesmo tempo profunda é a simplicidade com que é escrito.

Acompanhamos um tipo de diário de Morwenna Phelps (ou Mor, como prefere ser chamada), uma menina de quinze anos criada por uma mãe bruxa meio-louca ao lado de sua irmã gêmea. Mor e a irmã passam as tardes em construções abandonadas, brincando entre as fadas que se manifestam entre o concreto tomado por ervas daninhas, conversando com elas e tendo-as como suas melhores amigas.

A presença da irmã de Mor, no entanto, é breve; logo ao começo do livro, descobrimos que, por conta de algum acidente causado pela mãe bruxa com intenções malignas, a irmã de Mor morre e a própria Mor passa a ter uma perna defeituosa. Após o acidente, Mor conhece seu pai, Daniel, que também não sabia da existência da menina, e é enviada para um colégio interno na Inglaterra – o lugar menos mágico do planeta, segundo Mor (por si só, uma tirada sensacional com todos os livros encobertos pela neblina de Londres).

Mor encontra refúgio de toda sua vida turbulenta dentro dos livros de ficção científica: ela é uma verdadeira máquina de leitura, devoradora de todos os clássicos e contemporâneos que encontra a frente, relendo seus preferidos, frequentando a biblioteca da escola, a biblioteca pública, a livraria e o sebo em busca de novos romances. Parece que Mor nasceu para mergulhar nas histórias que tanto gosta, e essa relação adolescente/leitura soou bastante crível para mim. Por ter o problema na perna, Mor nunca se sente socialmente aceita dentro de toda a escola, e o escapismo através dos livros, em uma história que se ambienta entre 1979 e 1980, é bastante interessante.

(Parênteses: o livro não deixa de ter um tom bastante autobiográfico nesses momentos em que Mor declara todo o seu amor pela ficção científica. Não sei se era intenção de Walton que isso fosse ou não proposital).

Há alguns pontos bastante interessantes a se considerar dentro da história de Mor, e talvez o principal deles seja a relação da menina com a mágica. Ela ao mesmo tempo teme e idolatra a magia, e sabe que não deve utilizá-la a menos que a magia ajude-a a escapar de algum problema que ponha em risco sua vida. Isso, contudo, não impede que Mor utilize mágica para alguns propósitos pessoais. A dúvida que a utilização da magia traz para a garota ao longo da história (afinal, todas as coisas boas que acontecem na vida dela acontecem por conta da mágica ou por conta dos próprios cursos da vida?) é sensacional.

Outro ponto é a importância das bibliotecas na vida de Mor. Sim, estudo biblioteconomia e sim, sei que essa é uma instituição que vem pouco a pouco sendo apagada da sociedade de um modo geral, sobretudo da Latino-americana. Ver uma dedicatória de Jo Walton a todos os bibliotecários do mundo e ver a personagem principal dizendo que as melhores coisas do mundo são a ficção científica e o empréstimo entre bibliotecas é realmente recompensador.

Acima de qualquer coisa, 'Among Others' é um livro que trata sobre transição. Mor é uma garota de quinze anos que possui opiniões bastante particulares acerca da vida. Sua criação e capacidade de usar magia a obrigam a amadurecer mais rápido do que o costume da época, e por vezes fiquei um pouco assustado com a transição brusca de inocência/malícia da personagem. Por vezes, ela parece infantil demais com seus medos e anseios; por outras, parece muito mais velha do que seus quinze anos, com seus discursos sensatos e maduros sobre amor, sexo e relacionamentos. Não acho que isso seja ruim; ao contrário, dá um ar ainda mais crível à garota, que fala de mundos paralelos e sexo casual com a mesma naturalidade.

A única coisa que – acho eu – poderia ter ficado um pouco mais desenvolvido foi o clímax final. Achei que, no fim, tudo se resolve muito rápido. É um final lindo, com uma descrição sem sombra de dúvidas sensacional, mas acho que os caminhos traçados para esse fim poderiam ser desenhados de outra forma. Não é ruim; só achei que não combinou com todo o ritmo do livro. Pareceu uma corridinha no final para fechar o livro dentro de um tamanho X.

Apesar de tratar sobre temas cotidianos com uma pitada de magia, ter poucos climaxes e bastantes descrições de situações, ‘Among Others’ é um mergulho dentro da mente de uma menina e dos costumes de uma época que estão mudando. É daquelas histórias que você passa a sentir que está próximo do personagem principal, vendo exatamente o que acontece. Enfim, é um livro que merece ser lido.

Esse texto foi escrito sob murmúrios e lamentos de "The Queen Is Dead" do The Smiths – antes do Morrissey resolver ser um vegetariano babaca que interrompia os shows quando sentia cheiro de carne assada.