Não tenho muito o hábito de ler livros
de ficção científica. Talvez minha predileção por fantasia ou por livros de
ficção mainstream sinalizem sempre que um livro de sci-fi está por perto e o
neguem com veemência; no entanto, resolvi que precisava ler alguma coisa
diferente. Fiz uma pesquisa rápida no twitter, procurei algumas sugestões e, de
imediato, a Cris Lasaitis e a Alliah me sugeriram Arthur C. Clarke. “É viciante”,
elas disseram. “Você vai pegar o livro e não vai querer mais largar. Leia ‘Encontro
com Rama’, tenho certeza de que você não vai se arrepender”. Dei uma pesquisada
e, mesmo com a sinalização anti-sci-fi a todo momento apitando dentro de mim,
resolvi dar uma chance.
Encontro com Rama é o primeiro de uma
série não-planejada de quatro livros (sem contar outros dois escritos por
Gentry Lee que se ambientam no mundo de Rama), publicado por Arthur C. Clarke
em 1972. Aos que não conhecem, Clarke é um dos cânones da ficção científica da
segunda metade do século XX, ao lado de Isaac Asimov, Ray Bradbury, Stanislaw
Lem, Poul Anderson, Frank Herbert e Robert A. Heinlein (pra citar os que eu
lembro). Foi ele quem escreveu ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’ – esse mesmo,
dirigido pelo titio Kubrick – e mais algumas dezenas de romances e centenas de
contos.
A história de “Encontro com Rama” se passa
no século XXII. Depois que um cataclismo meteórico atinge a Terra (em um 11 de
setembro, só pra deixar registrado meu espanto ao ver a data), o governo decide
criar uma guarda espacial especializada em analisar os movimentos cósmicos e
monitorar possíveis ameaças que estejam circundando o Sistema Solar. Depois de
muitos pequenos meteoros e grupos de asteroides, eles finalmente visualizam o
que primeiro imaginam ser um gigantesco asteroide (batizado de 31/439 e,
posteriormente, de Rama – na falta de entidades gregas, batizam o asteroide com
o nome de uma das milhares de deidades indianas); ao monitorarem a aproximação
cada vez mais veloz do objeto não-identificado, eles percebem que não se trata
de um asteroide, mas sim de um corpo celeste de formato cilíndrico e oco, feito
de um material diferente de tudo o que existe no planeta.
Qual é a suposição lógica? Exato,
extraterrestres.
O livro possui duas narrativas
paralelas: a primeira, mostra o ponto de vista do grupo de astronautas que vai
de encontro à Rama; no segundo, do Conselho Rama que se estabelece na Terra com
a presença de terrestres, mercurianos e lunares. Achei essa jogada do Asimov um
pouco exagerada; não parece do feitio do livro ser uma space opera, e a presença de humanos colonizando um planeta que tem
temperaturas médias de 600ºC me soaram um pouco Star Trek demais.
Na narrativa dos astronautas, somos
apresentados à Rama como ela é por dentro. É difícil tentar imaginar um corpo
celeste oco com formato cilíndrico de 20Km de diâmetro e 54Km de largura, ainda
mais imaginar que dentro dele exista um clima próprio, sol, lua, chuva... mesmo
que tudo pareça ter sido manufaturado e criado pelos extraterrestres, a
perspectiva de pensar em algo tão gigantesco é difícil. E acredito que a jogada
de Clarke é exatamente essa: fazer com que nos sintamos desconfortáveis com as
descrições, que não consigamos entender muito bem como há circuitos de vento ou
mares congelados dentro de Rama. É o mesmo questionamento dos astronautas: o
que diabos é isso? Como foi criado, porque foi criado, porque está aqui? Essa
sensação de desconforto foi o que mais me chamou a atenção durante todo o
livro, mais do que as indisposições políticas do Conselho Rama ou os dramas
pessoais dos astronautas.
Os dramas pessoais, a propósito –
principalmente do Comandante Norton, pseudo-protagonista da história, com sua
esposa terrestre e sua esposa mercuriana, dividido entre duas famílias que se
conhecem mas não se gostam, e entre as descobertas que faz em Rama – são a
parte menos empolgante da história. Por ser um livro curto (200p.), a dinâmica
de tentar aprofundar os personagens ao mesmo tempo em que se tenta aprofundar
as descobertas e a evolução da história de Rama soa forçada, como se Clarke
tivesse sido obrigado a tornar os personagens mais profundos a fim de fazer com
que nos importássemos com eles. Esse artifício, para mim, não foi importante.
Continuaria me importando da mesma forma com cada um mesmo que não soubessem de
seus dramas pessoais. Eles eram os descobridores de uma raça alienígena! Como
não se sentir empolgado com essa simples perspectiva?
Tudo em Rama é estranho: desde as
construções gigantescas e sem nenhuma ranhura, que parecem blocos de pedra lisa
colocados sobre o chão, até a dinâmica de gravidade que se estabiliza no chão e
se torna confortável aos humanos, passando pela limpeza cirúrgica do local e a
aparente irrelevância que todo aquele complexo possui, Rama é um mistério: não
se sabe para que serve nem como abri-la, ou como diabos entrar em contato com
ela. Essa frustração crescente dos personagens e a incansável curiosidade que
eles sentem em tentar saber o que fazer e como explorar aquele local também são
dignos de nota.
No fim, temos um saldo bastante
positivo: Encontro com Rama parece mais um relato do que aconteceria ao se
proceder com um contato alienígena. Os puristas podem me crucificar, mas fiquei
triste por não perceber nenhum fundo de moral nessa história. É apenas um ‘vamos
lá ver o que existe dentro desse cilindro e depois vamos embora’. É claro que o
livro discutiu um pouco preceitos religiosos (com um grupo que se assemelha aos
cientólogos, acredito que não por coincidência) e fala sobre os tipos de
dissidências políticas que podem ser causadas quando temos aliens na jogada,
mas é só. A parte de aventura fica muito acima da parte das discussões e das
problemáticas que uma civilização alienígena e provavelmente muito mais
desenvolvida poderiam acarretar ao sistema solar. Não é um livro ambicioso, mas
suas qualidades e a sua forma extremamente bem escritas não tiram o título de
clássico que ele recebeu.
otimo...serviu com trabalho de escola
ResponderExcluirParabéns seu trabalho éh divino
Opa, cara, obrigado! Espero que você tenha lido o livro pra fazer esse trabalho, hein! Se não leu, dá uma lida que é sensacional! Abraço!
ResponderExcluirAinda não li , mas nas ferias (que terei mas tempo ) ele sera bem útil como passatempo :) ! Obrigado
ExcluirDeixe a sinalização anti-scifi de lado e se jogue na leitura do gênero.
ResponderExcluirGrandes obras clássicas reservam ótimas surpresas. Além disso, o Brasil tem produzido ótimos livros a respeito, como as coletâneas Space Opera, da Draco, Fábulas do Tempo e da Eternidade, da Tarja e 2054 Os Filhos da Revolução, da Novo Século.
Acredite, você vai sair ganhando. =D
@Sybylla_
momentumsaga.com
o Clarke usa a politica como pano de fundo para uma aventura, o Herbert usa a aventura como pano de fundo para politica, o meu escritor de ficção Cientifica preferido é Philip K. Dick que sempre te joga politica, religião e conceitos de bondade e maldade subjugados na cara (tipo George R. R. Martin, faz na fantasia) claro temos sempre Isaac Asimov e Carl Sagan (Contato é foda) para entrar na lista, e o brasileiro Jorge Luiz Calife, que deu ideia a Clarke de escrever o 2010 (bom ou não) e que tem um agradecimento no livro escreve muito bem estando na coletânea Space Opera da DRACO.
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