Jim Anotsu está de volta, e isso já é motivo para comemorar. Derretendo corações juvenis com seu romance extremamente pop “Annabel e Sarah” em 2010, Jim volta para nos brindar com seu segundo romance, “A Morte é Legal” (Editora Draco, 320 pág). E, sabendo que seu primeiro livro havia sido muito bem criticado por todos, lá estava Jim com um pepino gigantesco em mãos: a crise da segunda criação. Como fazer o público continuar amando sua nova história ao mesmo tempo em que o próprio autor tenta se desafiar para criar um texto mais maduro e que dialogue com suas emoções sem que isso soe falso? Como dosar a mão entre referências, texto, pontos de vista diferentes e o tanto de coisa bacana que ele quis comprimir nas 320 páginas que duram o romance?

Posso dizer que Jim conseguiu o que todo autor do segundo romance almeja: ser melhor que seu primeiro livro.

Vamos à sinopse: a história principal gira sobre Andrew Webley, um garoto de 19 anos meio emo, aspirante a escritor e colecionador de cachecóis e música triste. Ele é secretamente apaixonado por Briony há três anos, mas não consegue se declarar. Até que, certo dia, andando pelas ruas da cidade de Dresbel, ele esbarra com Ive, uma menina de cabelos pretos com mechas verdes que possui uma coelha de estimação falante e mau humorada, e que por acaso é a filha da Morte. Ive lhe faz uma proposta que pode mudar para sempre a vida de Andrew: partir com ela em busca dos três nomes da criatura mais importante do universo, o que pode garantir a realização de qualquer desejo. Pensando no amor de Briony e em como pode ser correspondido pela primeira vez na vida – mesmo que à custa de um desejo – Andrew aceita o desafio e parte com Ive em aventuras por diversos mundos paralelos e mágicos.

Não temos apenas o desdobramento das aventuras de Andrew. Ao longo do livro, somos apresentados a mais dois pontos de vista que se desenvolvem paralelamente ao dele: o de Astrophel e Stella, outra dupla que também está atrás dos três nomes; e o de Amber, irmã mais nova de Andrew e apaixonada por hip hop. Um dos principais motivos que me fez curtir a história de Amber – que é completamente destituída de fantasia e prefere seguir por um caminho mais urbano – foi o fato de aprender enquanto lia. Acho esse fator de poder entender um universo distante de mim como o hip hop fundamental para querer me embrenhar cada vez mais no texto. Não só pela citação aos rappers e à sua história no hip hop (não que eu não me pegasse cantarolando Eminem ou Lady Souverign às vezes), mas por todo o contexto em que são feitos, pelas notas de rodapé com as explicações dos termos específicos e por toda a paixão de Amber que escorre pelas páginas.

O texto de Jim está muito mais maduro, e isso é visível a quem leu ‘Annabel e Sarah’. “A Morte é Legal” apresenta conflitos extremamente críveis e reais, que vão muito além dos problemas aventurescos de encontrar os três nomes. Temos na relação de Andrew e seu pai um panorama complexo que envolve autoritarismo por parte do pai e insatisfação por não ser aquilo que o pai espera por parte de Andrew; da saudade da mãe morta por uma doença com nome de jogador de beisebol aos olhares frios e dos discursos cada vez mais incisivos de “você tem que arrumar um emprego e parar de sonhar com coisas que não vão acontecer, Andrew”; os pensamentos de Andrew sobre amor, que são tão complexos quanto os que possui em relação ao pai, pensando no amor que sente por Briony e em como ele é frágil; os pensamentos de Amber, irmã dele, sobre ter menos reconhecimento que o irmão enquanto o irmão pensa não ter reconhecimento algum... Todos os personagens que transitam pelo romance tem sua construção psicológica muito bem guiada pelas mãos do autor. Todos possuem seus desejos, anseios e questões. Muito bacana conseguir fazer isso com tanta gente em um espaço relativamente pequeno para a quantidade de personagens.

Jim Anotsu continua com suas referências pop que o deixaram bastante conhecido, mas dessa vez consegue dosar a mão e fazer com que se tornassem mais orgânicas em relação ao romance. É impressionante a amplitude de referências musicais e literárias que ele consegue abarcar em seu romance. Nem todas são identificáveis (nem acho que devam ser) e outras são bastante nítidas. Outra opção que casou perfeitamente com o romance foi o estilo indireto de diálogos. Pode ser um detalhe mais técnico, mas tenho que pontuar que esse tipo de texto faz com que a ação seja mais fluida, sem a quebra de parágrafo e o início de um travessão para o diálogo. Colocar uma fala em um bloco de texto junto à descrição narrativa dá a sensação de movimento, de que as coisas ainda estão acontecendo enquanto os personagens ainda estão falando.

As ilustrações do livro são outro atrativo maravilhoso: comprei a versão em e-book (ainda não vi como ficou o livro físico), mas as ilustrações e a diagramação estão excelentes. Minha única ressalva vai para os problemas de revisão, com pequenos errinhos a cada duas ou três páginas que se tornam irritantes com o passar do tempo. Não é nada que prejudique a leitura ou altere o significado de alguma frase, mas acho que uma semana a mais no forno ou uma última leitura mais detalhada para pescar esses tipos de erros seriam muito bem vindos.

“A Morte é Legal” vem para confirmar a competência de Jim como autor e colocá-lo em alta conta dentro da literatura de fantasia atual. Consegue ser pop sem ser infantil; consegue ser romântico sem ser piegas e consegue o que todo autor quer: dosar muito bem estilo e diversão sem perder a mão para nenhum dos dois lados. Temos bombas de antiimaginação voando pelos ares ao mesmo tempo em que temos conversas internas sobre dor, perdas e sentimentos. O enredo é bastante inteligente e não subestima o leitor, as reviravoltas são bem pontuadas e tudo casa muito bem, flui muito bem. Um dos melhores romances que a Draco lançou nesse ano. Imperdível!

P.S.: juntamente com o lançamento do livro, o Jim lançou uma mixtape muito bacana. Se chama “The Dresbel Sounds” e pode ser ‘comprada’ pelo valor de um twitt. A música-tema, “Drowning and Doubt”, pode ser ouvida aqui embaixo. É pra colocar no repeat!