Sonhar está entre as constantes da vida. Sem ideações filosóficas, sonhamos praticamente todos os dias, com paisagens surrealistas e monstros de três cabeças que precisamos enfrentar - e que nunca sabemos se vencemos ou não, uma vez que sempre acordamos antes do sonho ter seu desfecho cinematográfico. É partindo dessa premissa de sonhos que Natália Couto Azevedo constrói seu romance, "O Reino dos Sonhos: A Cidade de Cristal", primeiro de uma série ainda em andamento.

Conheci a Natália durante a FLIP 2013: tivemos a oportunidade de dividir a mesma casa e, por lá, fizemos um sarau durante uma das madrugadas. Natália leu o início de uma história na qual está trabalhando, e não pude deixar de ser fisgado pela narrativa dela: é comum desconfiarmos de livros de novos autores - "pouco tempo, muitos livros", blá blá blá -, mas a prosa dela me deixou convicto de que o livro seria no mínimo interessante. Ainda ao lado dela, acionei meu precário 3G e comprei a edição eletrônica na Amazon (uma pechincha e um ótimo negócio para mim, não sei se muito bom para ela, diga-se de passagem) e ainda preciso desenvolver uma tecnologia para que ela possa autografá-lo.

Foi então que, três dias após o fim da viagem, deitado no sofá da sala e tentando colocar as ideias no lugar para elaborar os primeiros passos do malfadado projeto de conclusão de curso, comecei a ler despretensiosamente. Pensei que fosse ler um ou dois capítulos e depois largar para lá, continuar com minhas leituras atuais e depois voltar ao livro em outra oportunidade. Só que, assim como a história que ela contou durante nosso sarau improvisado, me senti imediatamente fisgado pela narrativa de "O Reino dos Sonhos".

O plot da história é bem comum aos adeptos de romances young adults: a jovem Elorá, dezessete anos, estudante de primeiro ano de artes plásticas e desajustada social, está às voltas com sonhos bem estranhos, envolvendo um universo de florestas e seres com asas que contemplam a natureza; como forma de se expressar, pinta as imagens que vê em seus sonhos e tudo o que quer da vida é que sua orientadora a admire, que sua tia pare de reclamar e que o garoto por quem timidamente se apaixonou repare nela.

Natália Couto Azevedo foi muito feliz ao delinear sua protagonista: a voz dela é extremamente condizente com os dilemas de uma adolescente de primeiro ano de faculdade; senti, no entanto, alguns ecos excessivos de ensino fundamental e médio no relacionamento que ela tem com os amigos de corredor, adeptos ao bullying. Não sei se é algo que se encaixe apropriadamente na faculdade, onde tudo é dito de forma um tanto mais velada do que no colégio.

Mas, se por um lado ela peca com os personagens que não tem importância para o eixo narrativo, por outro ela acerta em cheio com os coadjuvantes: a escolha de poucos personagens para o número de páginas do livro coube na medida certa para que cada um fosse aprofundado devidamente. Gabriel e Leila, amigos de Elorá, são os que mais se destacam; mas também temos o irmão da protagonista, Felipe; a orientadora, Iris; a tia chata, Virgínia; e até sua gata de estimação, Lilás (ótimo nome para uma gata), todos muito bem articulados e com papéis muito bem definidos ao longo da história, que sempre está em constante movimento, apresentando novos conflitos, sejam eles de cunho pessoal ou que englobem a relação entre Elorá e o mundo dos sonhos.

Até mais ou menos metade da narrativa, estamos visualizando muito mais a Elorá humana do que a feérica: seus problemas afetivos e acadêmicos são o centro da narrativa. Na segunda metade, somos finalmente apresentados aos problemas que envolvem o mundo dos sonhos e os motivos que levam a protagonista a ter papel central naquela dimensão paralela. Para ser sincero, achei a segunda parte um tanto mais empolgante do que a primeira, mesmo que não descarte a importância dos dilemas pessoais de Elorá.

Um ponto que me deixou um pouco desconfortável foi a preparação de texto, principalmente o uso excessivo de vírgulas quando poderiam ser utilizados outros artifícios que dessem maior ritmo e fluidez ao texto, como ponto-e-vírgula ou mesmo pontos finais. Não vi erros gramaticais nem repetições de sentenças, não vi redundâncias ou problemas de acentuação. Natália escreve bem, com um vocabulário invejável a qualquer um que esteja publicando seu primeiro romance; acredito que, nesse caso, é um trabalho muito mais conjunto entre autor e revisor/preparador/copidesque do que individualmente do autor.

A capa não me agradou e isso é tudo o que digo sobre ela. Não posso comentar sobre a beleza do livro impresso porque li o e-book, mas achei as imagens - também disponíveis entre alguns capítulos do livro eletrônico - bem bonitas e condizentes com a história contada.

Natália optou pela escolha de um final completamente aberto, o que não me agrada completamente. Mesmo sabendo que se trata de uma série, gosto da sensação de arco fechado e de novas possibilidades para o futuro, ao invés de um final onde tudo fica em suspenso. Mas o que me deixou feliz foi o fato de que fiquei genuinamente curioso para saber o que acontece no segundo volume e estou esperando que ela termine de escrever para que possa ler o quanto antes.

Ler esse livro foi uma grata surpresa. Em primeiro lugar, porque não me considero público-alvo para ele, e ainda assim gostei bastante; e, em segundo, por se tratar do primeiro romance da autora, com um potencial gigantesco para se tornar uma ótima série. Natália Couto Azevedo soube condensar muito bem o fantástico com os sentimentos comuns a todos: da insegurança quanto a um trabalho onde tantas expectativas foram depositadas, do amor incipiente e a dúvida se ele é ou não correspondido, da confiança que nem sempre devemos ter àqueles que nos sorriem. Enfim, sobre a natureza humana, mesmo que com traços de fada.