Ah, zumbis... essas criaturas putrefatas e gosmentas, que babam e gemem e esticam as mãos em busca de carne fresca que aprendemos a adorar. Ganharam espaço entre os monstros em alta no momento – muito do hype se deve à série ‘The Walking Dead’, é claro –, mas são criaturas que estão no imaginário popular há muito tempo, talvez até mesmo antes do “Noite dos Mortos-Vivos” do George Romero. Estão presentes no cinema, quadrinhos, seriados e literatura. E como é de literatura que esse blog majoritariamente trata, por que não falar um pouco deles com a roupagem cosmopolita e cinzenta de São Paulo?

Comprei “Terra Morta: Fuga” (Editora Draco, 248p. ou 1.679 kb), do escritor paulista Tiago Toy, no catálogo de e-books da Amazon, em uma ótima alternativa da editora de disponibilizar sua produção editorial na base virtual. É mais barato, rápido, leve e, sobretudo, prático. Pode não ter o fetiche do virar das páginas nem do cheiro do papel, mas no frigir dos ovos, também tem das suas sensações positivas ler em um kindle – olha eu, adorador de papel virando a casaca para o mercado editorial digital.
Mas enfim. Falemos do livro do Tiago e deixemos essas discussões fetichistas para outra oportunidade. Como já disse acima, o livro trata de zumbis. Conta a história de Tiago (suponho que seja um alterego do autor), um ex-praticante de parkour e trabalhador em todas as horas disponíveis do seu dia, que está inserido em uma cidadezinha do interior paulista completamente infestada de zumbis. O livro mostra como Tiago se vira para escapar dos perigos, sua relação com os personagens com os quais esbarra ao longo da narrativa e, como não poderia deixar de ser, os segredos que acaba por descobrir que possuem relação direta com a propagação do vírus zumbi.
Para tornar a resenha mais fácil, vou desmembrar o Tiago como se eu fosse um zumbi ávido por tripas. Acho que é mais divertido assim.
Miolos
Uma das partes que eu achei mais bem construídas no Tiago do livro é o seu senso de humanidade. Tudo nele parece muito bem dosado, desde a bondade até a – pouca, sim – crueldade e vontade de largar todos para trás e continuar seu trajeto sozinho. Por ser um personagem de início solitário, que se vira como pode escalando muros e pulando grades, o personagem parece, a princípio, se preocupar muito mais com o quão ferrado pode ficar se não arranjar água ou onde vai dormir sem que nenhum zumbi o ataque. Quando seu relacionamento com Daniela – outra personagem principal muito bem construída – começa a tornar-se uma parceria cada vez mais intensa, percebemos a evolução dele: de homem individualista que pensa em largar a garota para trás para homem que não vai deixar que ela se machuque, porque se importa com ele. Do ponto de vista psicológico, a evolução do personagem está de parabéns.
Olhos
Outro ponto-central e positivo no livro são as descrições, seja nos momentos de contemplação ou nos – muitos, diga-se de passagem – momentos de fuga. As cenas são carregadas de ação do início ao fim, com zumbis sempre no limite entre o pescoço dos protagonistas, fazendo com que eles tenham que se virar com um zilhão de artifícios – que incluem um arpão de pesca – para estourarem a cabeça dos mortos-vivos. E quando estouram, é sangue para tudo quanto é lado, como não poderia deixar de ser :)
Pernas
A opção de utilizar o parkour como peça-chave das fugas de Tiago é interessante. Além de divulgar um esporte – ainda – pouco conhecido no Brasil, serve para mostrar como ele é útil em uma infestação zumbi (que o mundo nerd parece ansiar desesperadamente, mas não se prepara com a prática de algum esporte :P). As notas explicativas sobre cada movimento que ele faz também funcionam muito bem.
Coração
Aqui tenho uma pequena ressalva: falta romance. Sim, pode parecer bobo ou coisa de menininha que curte romance de bancas de jornal, mas achei que a relação Tiago-Daniela – por ser solitária e ter muitos momentos que poderiam dar brechas para insinuações mais românticas – teria um futuro maior se levasse a paixão em consideração. Nem que fosse um impulso momentâneo de carência, um erro que os levasse a ficar juntos durante uma noite e não quererem comentar sobre isso no dia seguinte.
Outra alternativa – caso a relação dos dois não fosse realmente uma boa opção – fosse falar um pouco sobre o passado afetivo de cada um. Com relação a esse tema, o livro me pareceu ascético, não prático (risos). Tudo bem que o que crescesse entre os dois fosse apenas afeto ou amizade, mas eles não conversam em nenhum momento sobre seus relacionamentos passados, sua vida amorosa. Quem sabe seja uma boa opção para aprofundar mais os personagens no livro 2.
~ * ~
Personagem desmembrado e agonizante no meio-fio, voltemos à narrativa em si: achei-a bastante agradável até uns 80% do livro, mas tenho que admitir que me decepcionei um pouco com o final. Talvez porque o número de brechas e pontas soltas fosse muito grande, talvez pela falta de explicações de aspectos essenciais que poderiam ser explicados logo nesse primeiro volume com a adição de um pouco mais de páginas. Faltou, aqui, aquele lance do livro que se fecha em si mesmo ao mesmo tempo em que dá brecha para continuação. “Terra Morta: Fuga” dá muitas brechas para continuação, mas não é fechado. Talvez isso possa ser uma alternativa que instigue os leitores a comprar os próximos volumes (ok, não vou dizer que não fiquei curioso pelo volume dois), mas acho que se algumas explicações essenciais fossem dadas e não ficassem para o próximo livro, eu ficaria ainda mais satisfeito como leitor.
Então é isso: o livro entretém. Se essa for sua principal preocupação – sentar durante umas horas e ler um pouco sobre sangue, tripas, pulos e grunhidos – esse é o livro certo. Agora aguardemos o segundo volume que, pelo que sei, está em fase de produção. Boa leitura!