Eu deveria estar escrevendo meu TCC, mas estou aqui para tirar as poeiras e as traças desse blog. Os hiatos estão cada vez maiores e as justificativas são muitas, mas não vou me estender muito nelas porque são todas aquelas que um aspirante a escritor e formando de penúltimo período de faculdade têm.

Semana passada, fui à FLIP pela primeira vez. Uma ótima experiência: gente boa dividindo casa comigo, sarau literário de madrugada, boa comida (fora a pizza, que os paulistas odiaram) e umas cachaças pra esquentar as madrugas frias de Paraty. Depois falo mais sobre isso. Ou não. Por enquanto, vou falar de um livro que ganhei por lá, li a toque de caixa – não por obrigação, mas por prazer – e que foi o grande responsável por me fazer parar o que estou fazendo na vida acadêmica para voltar a postar nesse blog. O livro “O evangelho segundo Hitler”, do paranaense Marcos Peres, vencedor do prêmio SESC na categoria de melhor romance do ano.

Lá estava eu, andando pelas pedras ingratas do chão de Paraty, quando o Raphael Montes (cuja resenha do livro pode ser vista aqui) me disse: ‘olha, hoje tem a entrega do prêmio SESC. Dá uma passada lá’. Eu já tinha ouvido falar alguma coisa sobre o prêmio SESC. Li o ‘Quiçá’, da Luisa Geisler (que ainda não resenhei) por conta do prêmio e sabia que, quem quer que fosse o vencedor, não seria um romance qualquer. Seria no mínimo uma história interessante, seja por forma ou conteúdo. Ou os dois.

Mas abreviando a história: caí no SESC meio sem querer, ganhei os livros – tanto o romance vencedor quanto o livro de contos estavam sendo distribuídos por moças simpáticas –, peguei autógrafos dos dois autores e o romance logo chamou minha atenção. Em primeiro lugar, pelo título (que, segundo Marcos Peres, não tem nenhuma relação com ‘O Evangelho segundo Jesus Cristo’ de Saramago) e também pela sinopse: segundo a história contada pela orelha do livro, Hitler teria elaborado a ideologia nazista a partir da leitura de Jorge Luis Borges. Essa ideia, por si só, já é incrível.

Então comecei a ler, curioso para saber o que me esperava. E não me arrependi nem por um segundo de ter colocado todas as minhas outras leituras em segundo plano e ter dado atenção ao Evangelho: logo de pronto, somos apresentados a Jorge Luis Borges – não o escritor, mas um homônimo –, aspirante a escritor que tem o estigma do mesmo nome de um importante escritor argentino e a certeza de que nunca será tão genial quanto o mestre bibliotecário. As coincidências são muitas: desde o nome à aparência física, passando pelos amores e pelas histórias contadas pelos dois Borges, há um jogo de espelhos onde o reflexo (que é nosso Borges-protagonista) sempre parece sublocado ao Borges-bibliotecário, como se fosse uma sombra, sempre encolhido atrás de sua figura principal.

Pois bem, essa confusão de nome acaba levando nosso Borges-protagonista a ser confundido com o Borges-bibliotecário. Interpelado por um grupo de alemães depois de uma série de desventuras amorosas, Borges-protagonista é tragado para o seio da Alemanha nazista, às rodas secretas e aos símbolos e fantasias megalomaníacas de Hitler, apoiadas por um grupo secreto sempre presente na história da humanidade.

Os ecos de Umberto Eco são latentes ao longo do romance. Mas, diferente do escritor italiano, Marcos Peres consegue dosar muito bem romance e didatismo, aventura e erudito; em nenhum momento me senti lendo um livro acadêmico – o que aconteceu nas ocasiões em que li o Eco e fiquei com vontade de pular umas vinte páginas de explicações que não fariam diferença no romance –, mas me senti lendo um desses romances policiais vertiginosos que não nos deixam ir embora. E tudo isso com um conteúdo extremamente bem construído. Não sei se Marcos Peres debruçou-se em uma pesquisa do zero com a vida e a obra de Jorge Luis Borges ou se é um desses fãs obsessivos que leu e analisou tudo sobre o autor. Nas duas opções, só consigo dizer parabéns pela ideia e pelas relações estabelecidas entre os contos de Borges e o nazismo.

A edição está muito bem feita, tanto capa como diagramação. Não achei nenhum erro de revisão escandaloso, nada que tenha ficado na minha memória como algo a ser comentado. Também não tenho nada a comentar quanto a defeitos narrativos: não consegui encontrar nada que mudaria na história que Marcos quis contar.

Para mim, uma das melhores leituras que fiz esse ano (senão a melhor). Achei muito boa a decisão do prêmio SESC de premiá-lo, mesmo que não seja um livro que trate de brasilidades, mas sim de Alemanha nazista e sociedades secretas. “Evangelho Segundo Hitler” é desses livros que divertem e ensinam, que te mostram uma teoria que a princípio não faz nenhum sentido, mas quando explicada te dá aquele sense of wonder de ‘é, até que isso realmente poderia ter acontecido’. E que te dá vontade de ler Jorge Luis Borges. Eu já peguei meu exemplar velhinho de ‘Ficções’ e dei uma relida. Vou pegar ‘O Aleph’ essa semana na biblioteca pública. E por aí vamos.

Marcos Peres, autor de "O Evangelho Segundo Hitler"